Ego inconsciente: o ponto culminante da metapsicologia

Quando Freud verificou que a maior parte do ego é inconsciente, inclusive o seu núcleo, ele poderia ter revolucionado a psicanálise, tendo em vista a essência corporal (inconsciente) do ego derivar de registros mnêmicos de percepções sensoriais. Apesar de ter concebido o ego inconsciente, Freud não desenvolveu o conceito, talvez por receio de ver solapada sua crença na etiologia sexual das neuroses, à qual se apegou desde o início, sem jamais abandoná-la. Esse apego impossibilitou o desenvolvimento da metapsicologia, que Freud desde o início considerou sua obra máxima, da qual o método psicanalítico de Breuer seria apenas um aspecto. A vinculação da sexualidade infantil à metapsicologia fez com que esta fosse limitada e exposta de maneira obscura e imprecisa. A consequência maior das inconsistências metapsicológicas foi a impossibilidade de levar às últimas consequências o conceito de ego inconsciente, que implica a constituição do ego a partir de estruturas afetivas inconscientes formadas por representações ocupadas por quotas de afeto resultantes de registros de percepções sensoriais. O ego inconsciente assim conceituado fundamenta a prática clínica moderna, que atribui a ação terapêutica à função materna analítica, proporcionada pela transferência, como fenômeno virtual emulador da relação mãe-bebê real.(AU)

When Freud found that most of the ego is unconscious, including its core, he might have revolutionized psychoanalysis, taking into account that the bodily essence (unconscious) of the ego derives from mnemic traces of sensory perceptions. Despite having conceived the unconscious ego, Freud did not explore this concept, perhaps because it would undermine his belief in the sexual etiology of neurosis, to which he was clung to the point of being unable to abandon it. This attachment prevented the development of metapsychology, which from the start he considered his magnum opus — Breuer's psychoanalytic method would be only a part of it. The clinging to sexuality brought limitations to Freud's metapsychology, whose exposition was always obscure and imprecise. The most regrettable consequence of the metapsychological inconsistencies was not deepening the concept of unconscious ego, which implies that the ego is made up of unconscious affective structures corresponding to representations occupied by quotas of affect, as a result of sensory perceptions records. The unconscious ego conceived this way substantiates the modern clinicai practice, which attributes the therapeutic action mostly to analytic maternal function, provided by transference, as a virtual phenomenon which emulates the real mother-infant relationship.(AU)

A ação terapêutica da psicanálise: a ligação de energia e a regra fundamental

A clínica psicanalítica atual difere da praticada por Freud. A diferença reflete o declínio progressivo dos quadros histéricos predominantes na primeira metade do século XX, que foram substituídos pelos transtornos narcísicos atuais, embora não tenha havido mudança considerável na concepção da ação psicanalítica sobre a mente. Embora o narcisismo seja sediado no ego, o raciocínio clínico permaneceu voltado para a interpretação da libido reprimida (id), fato que limita uma compreensão do ego, mais adequada, para fazer face à patologia narcísica. Essa compreensão implica conhecer solidamente como o ego funciona, especialmente na ação basilar de ligar a energia livre, que, segundo Freud, antecede o princípio do prazer. A consolidação desse conhecimento, auxiliada por um cotejo com processos bioquímicos cerebrais, possibilita ver como o ego efetua a ligação durante a aplicação da regra fundamental — esta é aqui encarada em sua dupla condição: associação livre (paciente) e atenção flutuante (analista). Mediante correlações entre a regra fundamental e processos neuroquímicos, pode-se ter noção segura sobre a ocorrência da intersubjetividade no processo analítico, a qual implica um também duplo processo de identificação: empática (analista) e introjetiva (paciente). Essa identificação dupla e simultânea constitui o fundamento da moderna concepção da ação terapêutica da psicanálise. (AU)

Present-day psychoanalytic clinic differs from Freud’s practice. This difference reflects the progressive replacement of the hysteria pathologyby the narcissistic pathology that prevails nowadays. Nevertheless, this change was not followed by an equivalent modification in the way of seeing how psychoanalysis alters the mind. In spite of the ego being the site of narcissism, the view on the way psychoanalysis changes the mind remained associated to the interpretation of repressed libido (id) that had been useful in hysteric pathology. The remaining in id psychology hinders a better comprehension of the ego that is expected to face the narcissistic pathology; this means to get a solid understanding of the way the ego works to bind the free energy - binding antecedes the pleasure principle, as stated by Freud. The full comprehension of the way the ego works, a knowledge that may be confirmed by neurochemical processes, enables a sight of the binding process that occurs while the fundamental rule goes on - the fundamental rule is taken here in a double condition: free association (patient) and free floating attention (analyst). A good notion of the occurrence of intersubjectivity in the psychoanalytic process is acquired by means of some correlations between the fundamental rule and some neurochemical processes. Intersubjectivity too implies a double process of identity: an empathetic one (analyst) and an introjective one (patient). This double and simultaneous identification constitutes the kernel of the modern conception of the therapeutic action.(AU)

Contribuições da neurociência a fundamentação da metapsicologia freudiana e a compreensão da ação terapêutica da psicanálise / Neurocience's contribution to affording freudian metapsychology a scientific basis and to understanding the terapeutic action of psychoanalysis

Freud acreditava que so a biologia esclareceria alguns conceitos psicanaliticos tao basicos quanto obscuros, como Trieb e energia psiquica. Agora que o desenvolvimento da neurociencia e capaz de explicar diversos fenomenos psiquicos, sua previsao começca a se confirmar. Muitas hipoteses psicanaliticas revelam-se corretas, particularmente a existencia de duas formas de energia (livre e ligada), enquanto outras devem ser corrigidas, como o resgate de lembrancas inconscientes reprimidas por meio de interpretacoes. Neste ultimo caso, a existencia de memorias implicitas irresgataveis para a consciencia poe em xeque o paradigma da interpretacao da libido reprimida, apontando em direcao de novo modelo inspirado nas relacoes objetais. Experiencias laboratoriais reveladoras de processos neuroquimicos subjacentes as relacoes afetivas respaldam a tendencia psicanalitica moderna de usar a relacao transferencial como o elemento essencial de modificacao da mente do paciente(AU)

Freud believed that biology would clarify some obscure and fundamental psychoanalytical concepts, such as Trieb and psychical energy. His expectations seem to be on the verge of being confirmed, since neuroscience is now able to explain several psychical phenomena. In fact, many psychoanalytical hypotheses appear to be correct in the light of some neuroscientific finds, particularly the existence of two kind of energy (free and bound). On the other band, other theoretical formulations seem to be inaccurate and must be improved, as is the case of recovering some unconscious memories by means of interpretation. In this particular instance, there is a kind of memory (implicit memories) that is not recoverable, the reason why it does not become conscious. This neuroscientific achievement overwhelms the repressed libido interpretation paradigm, and points out the direction of a new object relations model. Scientific evidences that neurochemical processes underlie the affective relations back the modern analytical tendency to use transference as the most important factor in the changing of the patient mind(AU)

Personalidade borderline e narcisismo: um exame de obscuridades conceituais a luz da metapsicologia freudiana / Borderline personality and narcissism: an examination of conceptual obscurities in the light of Freudian metapsychology

Embora pacientes borderline predominem na clínica psicanalítica há meio século, persistem controvérsias e indefinições a respeito da patologia. Como tentativa de encontrar coerência capaz de esclarecer obscuridades conceituais, estudos de diversos autores que apontam o narcisismo como núcleo da condição borderline são cotejados com a teoria freudiana original do narcisismo. Visto que Freud não expôs visão integral e final do narcisismo, suas ideias nem sempre são interpretadas de modo claro ou coerente. Objetivando clarificar seu conceito de narcisismo, diversos de seus textos são articulados de forma a obter conjunto integrado, compatível com experiências clínicas de diversas correntes, bem assim com observações objetivas do desenvolvimento de bebês. Tendo por base a recuperação da onipotência do narcisismo primário mediante internalização do objeto como ego ideal (narcisismo secundário), a passagem inadequada do narcisismo primário para o secundário é focalizada como evento crucial da formação do caráter borderline. A presença marcante do narcisismo primário, propiciada por falhas do objeto durante a constituição do ego ideal, enseja a labilidade estrutural e a noção difusa do self que caracterizam o borderline. Na perspectiva evolutiva do narcisismo freudiano, personalidade narcísica e personalidade borderline referem-se à mesma entidade clínica, sendo impropriedade conceitual distingui-las.(AU)

Borderline personality and narcissism an examination of conceptual obscurities in the light of Freudian metapsychology. Although borderline patients predominate in psychoanalytic practice for more than half a century, controversies and undefined aspects persist with respect to the pathology. In an attempt to encounter some coherence capable of clarifying conceptual obscurities, studies by various authors which point to narcissism as the nucleus of the borderline condition are compared with the original Freudian theory of narcissism. In light of the fact that Freud did not expound a complete, final view of narcissism, his ideas are not always interpreted in a clear or coherent way. With the objective of clarifying his concept of narcissism, several of his texts are articulated in such a way as to obtain an integrated whole, compatible with various currents' clinical experiences, as well as with objective observations of babies' development. Based on the recuperation of primary narcissism's omnipotence by means of the internalization of the object as ideal ego (secondary narcissism), the inappropriate passage from primary to secondary narcissism is focalized as a crucial event in the formation of the borderline character. The outstanding presence of primary narcissism, propitiated by flaws of the object during the constitution of the ideal ego, provides an opportunity for structural lability and the diffuse notion of self which characterize the borderline personality. From the evolutionary perspective of Freudian narcissism, narcissist personality and borderline personality refer to the same clinical entity, and to distinguish them is a conceptual impropriety.(AU)

The 'uncanny', the sacred and the narcissism of culture: the development of the ego and the progress of civilization.

The report by a member of the Brazilian parliament that the rejection of physical deformity is natural and instinctive, and the Muslim reaction to the publication in the Western press of cartoons considered to be offensive to their religion, serve as an introduction to the examination of conflicts in human relations. The two episodes may be classified as representing the sense of the 'uncanny', attributed by Freud to the narcissism that remained from primitive cultures, in which the shadow cast by the body and the mirrored reflection of the latter probably generated the idea of soul-which would be the narcissistic phenomenon causing the illusion of immortality. The presence of this illusion as a support for the beliefs of present-day civilized peoples makes clear the inopportune influence of primitive mental states in areas where more developed ones should prevail. The persistence of the omnipotent thinking derived from these states provides the possibility of drawing a parallel between the development of the ego-evolution from narcissism to object relation-and the progress of civilization. In this context, the majority of social conflicts can be attributed to the deficient object relation resulting from the strength of primary narcissism, which generates a tendency to reject that which is different and to facilitate the emergence of destructive aggressiveness. The progress of civilization would then occur by means of a development of the ego compatible with object relations that lead to a drastic reduction in destructiveness.

Dreaming as a primordial state of the mind: the clinical relevance of structural faults in the body ego as revealed in dreaming.

The therapeutic action of psychoanalysis, attributed for many years to the interpretation of the repressed libido, has shifted its focus to object relationships. Some modern analysts maintain that the primary factor of psychic change is the new model of object relationship provided by analysis, and do not consider significant the knowledge of episodes comprising implicit memories, whose irrecoverable nature is demonstrated by neuroscience. Nevertheless, the author proposes that the knowledge of specific archaic events, useless as their interpretation may be, offers a glimpse of the make-up of the mind, contributing to the improvement of the empathy indispensable for inducing changes in the patient. Episodes linked to absolute narcissism, in the beginnings of the body ego, which do not appear either in associations or in transference, emerge in dreams. Neuroscience has made possible the understanding of aspects of dreaming capable of providing a glimpse of the genesis of the ego, whose development from the bodily phase of absolute narcissism to the psychic object phase can thus be traced. The unearthing of the genesis of primary structural faults in dreaming furnishes the analyst with an estimate of the possibilities for development of the ego, and this knowledge provides fine tuning capable of guiding the analyst's conduct. A clinical case illustrates how these phenomena occur, showing the intersubjective relationship as the silent primary generator of psychic changes, consolidated and developed secondarily by means of the analytical dialogue.

Affect and the therapeutic action of psychoanalysis.

In connection with controversial IJP articles by Stern et al. and Fonagy on the interpretation of the repressed and the recovery of past memories, the author maintains that the affect that is inherent in positive transference is at the heart of therapeutic action. Points of view put forward in the controversy (based on neurobiological knowledge) are related to Freudian metapsychology, as well as to their precursors whose scope was necessarily limited by a lack of access to more recent scientific discoveries. The author demonstrates metapsychological elements of therapeutic action inherent in the intersubjective relationship, especially identification, manifested in introjection and empathy. He describes cognitive development as spontaneously blossoming from the affective nucleus, and he explains the neuroscientific bases of this step forward. The classic (interpretative) psychoanalytic method makes up the cognitive superstructure necessary for the organisation of the mind that has sprung from the affective substructure. As a primary factor in psychic change, interpretation is limited in effectiveness to pathologies arising from the verbal phase, related to explicit memories, with no effect in the pre-verbal phase where implicit memories are to be found. Interpretation--the method used to the exclusion of all others for a century--is only partial; when used in isolation it does not meet the demands of modern broad-spectrum psychoanalysis, as the clinical material presented illustrates.

Regressão e desenvolvimento o sonho como ligação da psicanálise com a neurociência e a teoria evolucionária / Regression and development: the dream as a link between Psychoanalysis with Neuroscience and the evolutionary theory

Desenvolvimento e regressão são conceitos fundamentais em Freud: se o primeiro descreve o processamento da estruturaçãonormal da mente, o segundo expressa o funcionamento psicopatológico. Entretanto, o sonho é uma regressão saudável, motivo por que é o instrumento primordial para examinarfenômenos regressivos patológicos dos quais é o protótipo normal. Experiências neurocientíficas têm confirmado a tesefreudiana de que o sonho é um estado primitivo da mente que ressurge durante o sono, de modo a constituir-se em ponte entre a psicanálise, a neurociência e a teoria evolucionária.O aprofundamento nos aspectos neurobiológicos do sonho permite uma visão mais ampla da psicanálise, capaz de contemplar a preservação da vida como o mais fundamental dos impulsos instintivos. Nessa perspectiva, o ego pode ser observado em sua totalidade, de modo a poder-se acompanharo desenvolvimento de quadros psicóticos, que se originariamde frustrações ligadas à autopreservação, ao contrário dasneuroses, que seriam derivadas da sexualidade. Nos primeirosestágios de vida os instintos sexuais não são frustrados seriamente pelo objeto, pois são auto-eróticos. Já os instintos de autopreservação podem ser frustrados, e se o forem deforma acentuada em etapas muito precoces determinam graves lesões do ego, ensejando a fixação de processosalucinatórios, que, em vez de estágios transitórios do desenvolvimento normal, se manifestem na mente adulta(AU)

Development and regression are fundamental Freudian concepts: if the former describes mind normal structuring, the latter expresses psychopathologic functioning. But dreaming is a healthy regression, and this is the reason why it is the main toolto examine pathologic regressive phenomena, since it is their normal prototype. Neuroscientific experiences have confirmed the Freudian thesis that dreaming is a primitive state of themind that reappears during sleep, in a way that it forms a bridge between psychoanalysis, neuroscience and evolutionary theory. A deepening in the neurobiologic aspects of dreamingopens the door to a wider view of psychoanalysis, which includes the consideration of life preservation as the most fundamental instinctual drive. On this perspective, the ego can be observed in its wholeness, in a way to follow the springing up of psychotic states, which originates in frustrations related to selfpreservation, differently from what happens to neuroses,which come from sexuality. Sexual drives are not severely frustrated by the object during the first stages of life, since they are self-erotic. Selfpreservation drives, on the contrary, may be frustrated. If they are intensely frustrated in early stages ofdevelopment, the ego may be severely disturbed. In this case, hallucinatory processes may be fixed, and instead of transitory normal stages of development they appear in the adult mind as pathologic states.

A psicanálise em transformação: a ação terapêutica da psicanálise na perspectiva da interface com a neurociência / Psychoanalysis in transformation: the Psychoanalysis therapeutic action in the perspective of interface with neuroscience

Acreditou-se durante muito tempo que a mudança psíquica resultasse do resgate da libido reprimida inconsciente, que se tornava consciente por meio de método interpretativo verbal. Freud verificou a inoperância desse método para as patologias do ego, acreditando que a tarefa maior da psicanálise seria o encontro de uma psicologia do ego que ensejasse o tratamento das neuroses narcísicas. O estudo do ego mostrou que a instância era basicamente corporal, que seu núcleo era inconsciente e que suas alterações poderiam independer de atividades defensivas. Experiências clínicas posteriores evidenciaram que a resolução de patologias narcísicas dependiam da relação transferencial. Descobertas neurocientíficas sobre as relações intersubjetivas e sobre diferentes tipos de memória parecem confirmar que déficits estruturais do ego adquiridos em estágios pré-verbais do desenvolvimento podem sofrer mudanças a partir da introjeção de novo modelo de relação objetal proporcionado pelo analista, constituindo fator estruturante mais básico que a interpretação verbal. A descrição neurocientífica das relações afetivas entre os mamíferos em geral dá sustentação objetiva às postulações subjetivas da psicanálise e autoriza que esta possa ser considerada uma espécie de psicofarmacoterapia natural(AU)

For a long time, psychoanalysis took for granted that psychic change was a result of the interpretive verbal method, which made it possible to the unconscious repressed libido to become conscious. Freud observed that this method was ineffective in ego pathologies, and he believed that the psychoanalysis major task should be to find the ego psychology able to treat the narcissistic neuroses. The ego study revealed that it was mostly a bodily ego, that its nucleus was unconscious, and that it could be altered without the direct participation of its defence mechanisms. Ulterior clinical experiences made clear that the treatment of narcissistic pathologies depended on transference. Modern neuroscientific discoveries on the intersubjective relationships and on different kinds of memory seem to confirm that basic faults in the ego acquired during preverbal stages of development may be changed by the introjection of a new model of object relation provided by the analyst; this is a more fundamental agent of change than verbal interpretation can be. Neuroscientific description of affective relationships among mammals give an objective holding to psychoanalysis subjective postulations, and grants us to presume that psychoanalysis is a kind of natural psychopharmacotherapy(AU)

O ego corporal e o continuum cérebro-mente. O modo de ação clínica da psicanálise na perspectiva da interface com a neurociência / The bodily ego and the brain - mind continuum. The therapeutic action of psychoanalysis from a perspective of its interface with neuroscience

O desenvolvimento da neurociência começa a tornar realidade o vaticínio de Freud de que no futuro as hipóteses psicanalíticas seriam explicadas pela biologia. Admite-se hoje que a mente é o trabalho do cérebro. Dentre os achados neurocientíficos no âmbito do psiquismo, destaca-se a ação da relação afetiva sobre circuitos neurais de bebês - estes podem sofrer atrofia cerebral se cuidados inadequadamente. Outra descoberta importante é o surgimento de novas conexões neurais capazes de substitui neurônios lesados. Há evidências de que métodos psicológicos podem promover modificações no cérebro. Este ponto é de especial interesse para a psicanálise, cujo método se baseia numa relação afetiva (transferência). Considerando que nos transtornos narcísicos há desenvolvimento deficiente do ego, por relações objetais inadequadas, presume-se que essas falhas básicas correspondem a alterações cerebrais, corroborando o conceito de ego corporal. A repetição das relações reais inadequadas do passado no cenário virtual do processo psicanalítico permite que a relação transferencial (virtual) promova modificações no ego, corrigindo suas falhas. Sabendo-se que os psicofármacos são artificiais, tendo ação genérica e grosseira sobre o organismo, pode-se dizer que a psicanálise é uma espécie de psicofarmacoterapia natural, pois preenche lacunas da relação afetiva mão-bebê original, agindo sobre a mente e o cérebro.

A identidade do psicanlista. A psicologia do ego freudiana e a psicanálise como "profissão possível" / The psychoanalyst's identity

Dentre os fatores que contribuem para a crise universal experimentada pela psicanálise, ressalta a saída do leito de seu desenvolvimento natural. A trajetória desse desenvolvimento foi estabelecida por Freud, ao declarar que o estudo do ego é nossa ôtarefa maiorö. Os quadros narcísicos que nos defrontam cotidianamente soem ser compreendidos fora dos termos sugeridos por Freud ao conceber o ego como instância-síntese. Nesses casos, são usadas múltiplas teorias nem sempre coerentes entre si. Às vezes essas teorias são conflitantes com a identidade freudiana da psicanálise, rompendo, de certa forma, a continuidade histórica de nossa ciência. É inevitável a repercussão desses fatos sobre a identidade do psicanalista. Se as contribuições atuais à clínica do narcisismo forem compreendidas à luz da psicologia do ego de Freud, veremos que a identidade do psicanalista é o elemento essencial do processo psicanalítico, pois a recuperação de falhas básicas do ego do paciente depende da integridade do ego do analista. Nesses casos, a conduta do analista é tão decisiva quanto suas interpretações. Em ôAnálise terminável e interminávelö, em que tratou das alterações do ego, foi mostrado que a firmeza de caráter do analista (a solidez de sua identidade) é crucial para tornar a psicanálise uma profissão possível.

A teoria estrutural e o futuro de uma (nova) ilusao: a atualidade de "analise terminavel e interminavel", 60 anos depois

A proposito de 'Analise terminavel e interminavel', a crise atual da psicanalise e associada as limitacoes de seu uso na cura de sintomas psiconeuroticos. Sendo esses sintomas resultantes do retorno de impulsos sexuais reprimidos, estes mereceram atencao exclusiva, sendo negligenciado o impulso de autopreservacao, que nao e reprimivel. Em consequencia, as folhas no desenvolvimento do ego ficaram de lado. As alteracoes do ego tem sido atribuidas a funcao defensiva, nao sendo examinadas suas falhas estruturais. Estas sao atribuidas pelo autor a frustracoes de impulsos de autopreservacao, os quais, por nao serem reprimiveis, provocam feridas narcisicas na essenciais na essencia do ego, com potencial patologizante superior ao do impulso reprimido. Para superar as limitacoes da psicanalise, e sugerida a mudanca de perspectiva, ficando a cura do sintoma psiconeurotico como objetivo secundario, sendo prioritario o desenvolvimento do ego. Alem de rastrear a libido sexual, e mister acompanhar as viscissitudes da libido narcisica. Uma vez que o ego usa a energia narcisica do Trieb de vida em pe de igualdade com a libido sexual, ele e aqui tratado como aquela estrutura ampla descrita por Freud, que tem sua maior parte inconsciente, e nao no sentido vulgar de instancia superficial, apenas consciente.

O conceito freudiano de narcisismo e a psicanalise atual: consequencias teoricas e tecnicas da introducao do conceito de narcisismo

O narcisismo e visto como o mais inovador conceito surgido desde que a psicanalise estabilizou-se como estudo do Trieb sexual reprimido. A conceituacao do narcisismo originou a nova teoria dos impulsos instintivos e a teoria estrutural do aparelho psiquico: a psicanalise deixou de ser apenas um tratamento das psiconeuroses de defesa, tornando-se uma teoria geral do desenvolvimento. No entanto, a teoria da tecnica nao acompanhou a revolucao teorica, permanecendo em essencia a mesma, com algumas 'adaptacoes' para o tratamento de disturbios narcisicos, considerados de dificil manejo. Aqui e sugerido que a tecnica para esses casos deve ser especifica, em vez de mera 'adaptacao' daquela surgida do tratamento das psiconeuroses de defesa. Nessa tecnica, os pontos nucleares devem ser os conceitos freudianos de 1) ego inconsciente e 2) identificacao primaria, entendida esta 'como a primeira expressao de uma ligacao emocional com outra pessoa, anterior a qualquer catexia objetal'. Deve ser enfatizado que ambos os conceitos envolvem processos nao-verbais, fato distintivo que deve nortear a tecnica. Alude-se a tecnica kleiniana do uso de brinquedos e ao emprego sistematico por Kohut dos conceitos de empatia e transferencia narcisica como as unicas inovacoes tecnicas verdadeiramente radicais surgidas depois da tecnica estabelecida por Freud.

O conceito freudiano de narcisismo e a psicanálise atual: conseqüências teóricas e técnicas da introdução do conceito de narcisismo / The Freudian concept of narcissism and present-day psychoanalysis: theoretical consequences and techniques of the introduction of the narcissism concept

O narcisismo é visto como o mais inovador conceito surgido desde que a psicanálise estabilizou-se como estudo do Trieb sexual reprimido. A conceituação do narcisismo originou a nova teoria dos impulsos instintivos e a teoria estrutural do aparelho psíquico: a psicanálise deixou de ser apenas um tratamento das psiconeuroses de defesa, tornando-se uma teoria geral do desenvolvimento. No entanto, a teoria da técnica não acompanhou a revolução teórica, permanecendo em essência a mesma, com algumas adaptações para o tratamento de distúrbios narcísicos, considerados de difícil manejo. Aqui é sugerido que a técnica para esses casos deve ser específica, em vez de mera adaptação daquela surgida do tratamento das psiconeuroses de defesa. Nessa técnica, os pontos nucleares devem ser os conceitos freudianos de 1) ego inconsciente e 2) identificação primária, entendida esta como a primeira expressão de uma ligação emocional com outra pessoa, anterior a qualquer catexia objetal. Deve ser enfatizado que ambos os conceitos envolvem processos não-verbais, fato distintivo que deve nortear a técnica. Alude-se a técnica kleiniana do uso de brinquedos e ao emprego sistemático por Kohut dos conceitos de empatia e transferência narcísica como as únicas inovações técnicas verdadeiramente radicais surgidas depois da técnica estabelecida por Freud.

A teoria estrutural e o futuro de uma (nova) ilusão: a atualidade de análise terminável e interminável, 60 anos depois / The structural theory and the future of an (new) illusion: Updated Analysis terminable and interminable, 60 years later

A propósito de Análise terminável e interminável, a crise atual da psicanálise é associada as limitações de seu uso na cura de sintomas psiconeuróticos. Sendo esses sintomas resultantes do retorno de impulsos sexuais reprimidos, estes mereceram atenção exclusiva, sendo negligenciado o impulso de autopreservação, que não é reprimível. Em conseqüência, as folhas no desenvolvimento do ego ficaram de lado. As alterações do ego tem sido atribuídas a função defensiva, não sendo examinadas suas falhas estruturais. Estas são atribuídas pelo autor a frustrações de impulsos de autopreservação, os quais, por não serem reprimíveis, provocam feridas narcísicas na essenciais na essência do ego, com potencial patologizante superior ao do impulso reprimido. Para superar as limitações da psicanálise, é sugerida a mudança de perspectiva, ficando a cura do sintoma psiconeurótico como objetivo secundário, sendo prioritário o desenvolvimento do ego. Além de rastrear a libido sexual, é mister acompanhar as viscissitudes da libido narcísica. Uma vez que o ego usa a energia narcísica do Trieb de vida em pé de igualdade com a libido sexual, ele é aqui tratado como aquela estrutura ampla descrita por Freud, que tem sua maior parte inconsciente, e não no sentido vulgar de instância superficial, apenas consciente.

Criatividade, cultura e estrutura psiquica

Segundo Freud, a criatividade resulta da adaptacao do psiquismo a necessidade de trocar o principio do prazer pelo da realidade. Os passos do ser humano no sentido da cultura derivam dessa mudanca marcante. Neste trabalho, o impulso para criar e atribuido a capacidade de todos os seres vivos de promoverem adaptacoes, com o proposito de se manterem vivos. A criatividade surgiria de necessidades de sobrevivencia, as quais o desprazer estaria ligado. Arte, ciencia e religiao - a cultura em geral - seriam formas de adaptacao, tendo originalmente finalidade pragmatica. O autor traz aspectos metapsicologicos da criatividade, bem como conclusoes de pesquisadores da Pre-historia, para mostrar a origem e o desenvolvimento da criatividade e da estrutura psiquica.

Superego, narcisismo e cultura

A tres profundas feridas narcisicas que, segundo Freud, o homem sofreu em sua historia, nao foram ainda bem absorvidas por ele. De acordo com Freud, o ser humano nao abre mao do narcisismo e da onipotencia primitivos. Considerando o desenvolvimento do narcisismo em tres estagios - original (absoluto), primarios e secundario -, a presuncao de que os humanos sao essencialmente diferentes dos outros animais e apontada como ilusao decorrente de falhas nesse desenvolvimento. Esta afirmacao e baseada em contribuicoes de diversos autores, do campo da bilogia, da paleontologia, da antropologia e da psicolinguistica, que sustentam novos pontos de vista sobre a evolucao das especies. Essas modernas teorias modeficam radicalmente a visao que se costuma ter da provilegiada posicao do Homo sapiens na escola evolutiva, relativizando o suposto destaque de sua cultura em relacao a Nartureza, sendo indicadas as inevitaveis repercussoes desse conhecimento sobre a teoria do aparelho psiquico. Sendoa estruturacao do superego considerada decorrente das identificacoes primaria e secundaria implicadas no desenvolvimento do narcisismo, e destacada sua funcao de veiculo da tradicao e da cultura, sendo o mal-estar inerente a cultura relacionado com falhas na estruturacao do superego e no desenvolvimento do narcisismo.